sábado, 2 de março de 2013

SUPERDOTAÇÃO - "INTELIGÊNCIA E ALGUM MAIS"


A "REVISTA PSIQUE CIÊNCIA & VIDA", da Editora Escala, na Edicão 84 - 2013, publicou uma reportagem com o título 'INTELIGÊNCIA E ALGUM MAIS', abordando a inteligência humana e a superdotação. 
Veja:



Por Marcos Vinícius dos Anjos

Além de inteligência acadêmica, superdotados possuem habilidades como criatividade, senso de liderança, motivação, potencial artístico, grande desenvolvimento psicomotor ou outros talentos especiais

Cerca de oito milhões de brasileiros são considerados superdotados, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ao contrário do que ocorria há algum tempo, os testes de QI perderam sua supremacia na definição da superdotação. Atualmente, critérios como a criatividade, senso de liderança e motivação ganham espaço nas discussões sobre o tema.

O paranaense Charles Reis Ribeiro não sabe que Kuala Lumpur é a capital da Malásia, desconhece o fato de que Leni Riefenstahl foi a cineasta oficial de Adolf Hitler e nem imagina que Gregor Mendel é considerado o Pai da Genética. Mesmo assim, aos 15 anos ele foi aprovado em dois vestibulares: Ciência da Computação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Engenharia da Computação na PUC de Curitiba. Ele diz não saber tudo e afirma que o termo superdotado é muitas vezes usado de forma equivocada. "A maioria das pessoas acha que os superdotados já nascem sabendo tudo e dominam todas as áreas do conhecimento. Não é verdade; seria excelente se alguém soubesse tudo", desabafa.

Charles não poderá cursar a faculdade porque ainda não concluiu o ensino médio. A família dele está tentando conseguir autorização judicial para que ele seja matriculado, mas caso isso não ocorra ele terá de esperar mais dois anos para ingressar no ensino superior. Enquanto não se torna universitário, ele continua em busca de mais informações da área em que possui mais conhecimento: informática, mais especificamente, processadores quânticos que, segundo ele, são aparelhos capazes de resolver cálculos com uma rapidez muito maior do que computadores convencionais.

"A CRIANÇA SUPERDOTADA APRENDE MAIS RÁPIDO, QUESTIONA CONSTANTEMENTE, TEM CURIOSIDADE EXCESSIVA E FALA ELABORADA"

"A teoria das inteligências múltiplas, de Howard Gardner, explica que as pessoas, assim como Charles, podem ter altos desempenhos em áreas específicas do conhecimento. No entanto, o ser humano é ilimitado e suas inteligências podem contemplar infinitos aspectos. Em meu trabalho, já deparei, por exemplo, com crianças com síndrome de Down que realizam trabalhos artísticos impressionantes", comenta a psicóloga Priscila Augusta Lima, professora do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Educação Inclusiva pela Universidade de São Paulo (USP).

No Brasil, a superdotação é definida usualmente como um fenômeno que engloba, além da inteligência acadêmica, outras habilidades como a criatividade, o senso de liderança, motivação, potencial artístico, desenvolvimento psicomotor ou outros talentos especiais. Segundo especialistas, a explicação para o desenvolvimento das altas habilidades parece ser uma combinação de fatores hereditários e estímulos externos. "A maioria dos estudos na área realmente conduz a esse tipo de explicação, ou seja, há um equilíbrio entre a genética e a influência ambiental, que cria um cenário favorável ao desenvolvimento da inteligência", explica a pedagoga Dora Cortat Simonetti, membro do conselho técnico da Associação Brasileira para Altas Habilidades / Superdotados.

Já o conceito adotado pelo Ministério da Educação (MEC), que está presente nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, define como superdotados os indivíduos que apresentam um desempenho notável nos seguintes itens (isolada ou conjuntamente): alta capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para as artes e capacidade psicomotora. "Esta definição utilizada pelo MEC é fruto de estudos desenvolvidos por grupos norte-americanos de pesquisa e é bastante adotada no Brasil. No entanto, a meu ver, faz-se necessário na prática um referencial teórico para um entendimento melhor do que seja notável desempenho e alta capacidade intelectual", questiona Dora Cortat.

Uma das maiores referências no assunto, o pesquisador Howard Gardner, organizou as inteligências humanas em subtipos: inteligência lingüística, lógico-matemática, espacial, corpórea, musical, naturalística, intrapessoal e interpessoal. De acordo com ele, uma pessoa pode apresentar capacidade acima do normal em uma destas áreas e ter um desempenho ruim em outras. Sua teoria também traz um outro aspecto interessante, ao trabalhar a questão da motivação, que está relacionada a um maior envolvimento nas tarefas realizadas e um grande prazer em sua execução. Por isso, esta definição valoriza aspectos como persistência, autoconfiança e coragem para correr riscos.

A superdotação pode ser identificada já na infância. Pais e familiares podem observar diferenças comportamentais e cognitivas na criança, que dá de sinais de curiosidade excessiva, com questionamentos constantes, aprendizagem mais rápida do que as outras crianças e fala elaborada. No entanto, é muito comum que uma criança de classe média e que tenha amplo acesso à cultura e ao conhecimento seja equivocadamente identificada como superdotada.

"A identificação da superdotação pode ocorrer em qualquer fase da vida e é algo que exige uma cuidadosa avaliação. Em nosso trabalho, isso é feito por meio de observações que podem levar de seis meses a um ano, período em que comparamos as habilidades de nossos alunos em relação ao grupo etário a que pertencem", comenta Zenita Guenther, fundadora da Associação de Pais e Amigos para Apoio ao Talento e do Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento, na cidade de Lavras, em Minas Gerais.

DIFICULDADES E SOLUÇÕES

Considerada por muitos como um "presente da natureza", a superdotação, no entanto, pode fazer com que pais se sintam confusos e sem saber como lidar com as altas habilidades das crianças. A falta de um acompanhamento especial, pode fazer com que essas pessoas acabem se nivelando aos outros durante o seu desenvolvimento cognitivo. "Impera em nossa sociedade o conceito de que somos todos iguais, mas na verdade não somos. Todo ser humano é único e possui características singulares. Nas escolas, essa tentativa de igualar todos os alunos pode fazer realmente com que os superdotados não desenvolvam seu potencial cognitivo integralmente", comenta Susana Graciela P. Barrera Pérez, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD).



É comum os superdotados "disfarçarem" sua inteligência acima da média, para não serem tachados de nerds e serem marginalizados

Acontece também de as crianças e adolescentes propositalmente negligenciarem as atividades escolares apenas para não serem tachados como "nerds", uma denominação pejorativa que pode irritar bastante um superdotado. "Essas pressões exercidas muitas vezes dentro da escola podem resultar numa rejeição à definição de superdotado. Eu já tive a oportunidade de constatar que algumas crianças, inclusive, erram mais questões de propósito nos testes de QI para não serem identificadas como superdotadas", comenta Priscila Lima.

De acordo com especialistas, isolar os superdotados em escolas especiais, a exemplo do que ocorre em países como os Estados Unidos, é uma prática que está caindo em desuso. Em vez disso, o mais indicado é oferecer atividades extraclasse ou programas de enriquecimento para que estas crianças desenvolvam suas habilidades especiais e também tenham a oportunidade de conviver com outras pessoas com características similares.

Um exemplo desta iniciativa é o programa Bom Aluno, mantido no Paraná por uma fábrica de pneus, para beneficiar Charles Reis Ribeiro e mais 400 outras crianças e adolescentes carentes do estado. Além de oferecer atividades extraclasse como aulas de idiomas, cursos pré-vestibulares e de capacitação profissional, o programa também concede bolsas de estudos em escolas particulares. "Em nossa seleção, buscamos os alunos esforçados e dedicados nos estudos. Quando percebemos que algum é superdotado, nós o encaminhamos ao Inodap, Instituto para Otimização da Aprendizagem, instituição com a qual mantemos parceria. Se a avaliação for positiva, começamos a trabalhar para que este aluno tenha oportunidades de se desenvolver.", explica Zânia Maria Diório, gerente do programa.

Na cidade de Belo Horizonte, a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais também aposta no talento de crianças, adolescentes e jovens superdotados. Por meio do Programa de Enriquecimento para Pessoas com Altas Habilidades, a instituição recebe alunos encaminhados por escolas ou que chegam espontaneamente à Universidade. Assim, eles têm a oportunidade de participar de oficinas de Filosofia, Física e outras disciplinas, além de desenvolverem projetos pessoais com o auxílio de professores e monitores da própria Universidade.

"Existem poucos centros especializados em trabalhar com superdotados no Brasil. Isso, infelizmente, mostra uma negligência do poder público, que ainda não tem políticas educacionais em número suficiente para atender de forma adequada essas crianças", aponta a psicóloga Rosa Maria Correa, coordenadora do programa. A fala de Rosa Maria está sintonizada com a de outros especialistas no assunto que dizem ser a deficiência o foco da educação especial no Brasil. Com isso, são poucos os profissionais preparados para acompanhar adequadamente os superdotados.

Uma das raras iniciativas do governo na área são os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), mantidos pelo Ministério da Educação nos 27 estados brasileiros. O objetivo é possibilitar o atendimento e o desenvolvimento dos alunos com altas habilidades das escolas públicas de educação básica, promovendo sua inserção nas classes do ensino regular e disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, comunidades escolares e famílias.

"O maiores desafios do projeto são difundir o tema da superdotação que, desde 2005, vem tendo uma discussão mais ampliada, formar professores para atuarem com esses alunos e envolver diversos setores para promover o desenvolvimento dos diversos tipos de talentos", aponta Kátia Marangon, coordenadora de Desenvolvimento da Educação Especial do MEC.

PROFUSÃO DE SUPERDOTADOS

Despertando polêmica e dividindo opiniões, há algum tempo se comenta que o quociente intelectual (QI) da humanidade tem aumentado, desde o início do século 20, época em que começaram a ser feitas medições formais do índice. Esse fenômeno é chamado por especialistas de "efeito Flynn", termo inspirado no nome do neozelandês James Flynn, cientista político que pesquisa há décadas as variações de inteligência da humanidade.

Flynn causou celeuma entre os pesquisadores da área em 1987, quando publicou os resultados de sua pesquisa, estabelecendo uma comparação entre notas de testes de QI aplicados em 14 países ao longo do século 20. A partir disso, ele chegou à conclusão de que a média do índice ganha um reforço de 10 pontos a cada nova geração. As opiniões se dividem quanto a esta teoria: uns dizem que isso ocorre por causa das melhorias na qualidade de vida da população mundial que, gradativamente, tem tido maior acesso à informação e ao conhecimento. Uma outra corrente, mais cética, acredita que o aumento na média de QI está relacionado apenas à popularização dos testes.

Além disso, os testes de QI, odiados por uns e aceitos por outros, não são suficientes para definir com segurança quem é ou não superdotado. É consenso entre especialistas que testes psicológicos para avaliar a criatividade e a observação de sinais mostrados desde a infância oferecem uma possibilidade maior de identificação da pessoa com altas habilidades.

OS TESTES

O Quociente de Inteligência, usualmente conhecido pela sigla QI, é uma medida obtida com a divisão da idade mental pela idade cronológica. O termo foi criado em 1912 por William Stern. Este índice é conseguido por meio de testes que avaliam as capacidades cognitivas de uma pessoa, em comparação ao seu grupo etário. As avaliações de inteligência tiveram suas origens na China do século V, mas somente começaram a ser utilizadas com fins científicos na França, no século XX. "Os testes de QI avaliam dois tipo de inteligência: a lingüística e a lógico-matemática. Usados em conjunto com outros instrumentos de observação, eles podem ajudar na identificação da superdotação", aponta Susana Graciela Barrera.

Os testes de QI são a porta de entrada para a Mensa Brasil, associação que reúne superdotados do mundo inteiro. Para fazer parte do grupo, é necessário ter QI na faixa dos 2% superiores da população. A comprovação se dá com testes aplicados pela Mensa ou reconhecidos por ela. A idéia é criar um ambiente de sociabilidade entre os superdotados e estimular a pesquisa sobre as inteligências.

Um membro famoso da Mensa é o cantor Roger Rocha Moreira, líder da banda Ultraje a Rigor. Ele estudou até o terceiro ano da faculdade de Arquitetura, se formou em inglês pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e já estudou música e artes dramáticas. Roger tem um QI=172 e associou-se à Mensa em 2000. "Entrei por curiosidade. Eu queria saber como era pertencer a um grupo assim. Alguns superdotados encontram dificuldades para fazer amizades. Neste caso, a associação ajuda bastante, mas eu nunca tive este problema. É interessante estar no grupo porque sempre que preciso de alguma ajuda em informática, área que gosto muito, recorro aos membros que entendem do assunto", comenta.



Roger, o superdotado: QI de 172, bom humor, extroversão, aptidão musical, curiosidade, diversificada e eloqüência

"ESPECIALISTAS PREFEREM AVALIAR A CRIATIVIDADE E OBSERVAR SINAIS DE ALTA HABILIDADE DESDE A INFÂNCIA EM VEZ DE CONFIAR APENAS NOS OS TESTES DE QI"

Roger contou também que sempre foi o primeiro da sala no primário. "Naquela época, eu não sabia que tinha o QI elevado. Meus pais me cobravam bastante e me recompensavam quando eu tinha bons resultados, mas tudo isso era feito de uma forma muito natural, saudável. No entanto, com o tempo, eu fui percebendo que ser o primeiro da sala não era tão bom assim, por causa da inveja dos colegas e dos apelidos de nerd", relembra, bem-humorado. A solução que Roger encontrou para o problema foi manter-se na média: não ser nem o melhor nem o pior da sala e fugir da medalha que era entregue aos melhores alunos.




Ao contrário do que se pensa, superdotados não são tímidos e gostam de enfrentar situações inusitadas e valorizam a cooperação em grupo

No que se refere à capacidade intelectual de um indivíduo considerado superdotado, a capacidade para lidar com abstrações e facilidade para lembrar informações são características presentes na maioria dos casos. Além disso, eles também possuem uma capacidade aumentada de estabelecer relações de causa e efeito entre os acontecimentos, facilidade para transferir aprendizagens de uma situação para outra e uma considerável bagagem de informações sobre um ou vários tópicos. No campo da motivação, eles possuem, entre outras características, a capacidade de concentração por longo período de tempo e demonstram preferência por trabalhos nos quais possam ter responsabilidade. Ao contrário da visão estereotipada de que os superdotados são pessoas tímidas e retraídas, uma característica presente na maioria destes indivíduos é o senso de humor e o espírito de aventura, conjugado com uma disposição para correr riscos e enfrentar situações inusitadas. Como resultado disso, os superdotados tendem a ser respeitados pelos colegas e valorizam uma conduta cooperativa nas atividades em grupo.



Extraido de: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/28/artigo87362-1.asp




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